História

Desde os começos da ocupação de seu território, em que o próprio pioneirismo parecia pautado por objetivos e atitudes conflitantes, a Argentina sempre viveu sua história com luta e inquietação, rivalidades regionais, divergência entre classes e facções. No meio dessas chamas politizou-se, adquiriu vigorosa combatividade social e perfil inconfundível como nação, mas até hoje tem problemas para se integrar em torno de uma perspectiva segura e de decidido projeto nacional.

Descobrimento e colonização. É difícil afirmar qual o primeiro navegador que pisou em terras argentinas. Pode ter sido o florentino Américo Vespúcio e podem ter sido portugueses. Foi em nome da coroa espanhola, porém, que se fez a comunicação oficial do descobrimento, sob a responsabilidade de Juan Díaz de Solís, que desembarcou (1516) em Candelaria (hoje Maldonado), descobrindo o mar Dulce ou de Solís, mais tarde rio da Prata. O navegador pereceu pouco depois com quase todos os seus homens, atacado -- e provavelmente devorado -- por guaranis. Uns poucos remanescentes chegaram ao Brasil, contando fantásticas histórias sobre o império de um rei branco onde haveria uma montanha repleta de prata. O relato, que lhe teria chegado pelos índios, por certo se referia aos incas, então ainda não conquistados. Para portugueses e espanhóis, o portal daquele prodígio devia ser o "río de la Plata".

Seis anos depois de Fernão de Magalhães descobrir o estreito que tomou seu nome e liga os oceanos Atlântico e Pacífico, o genovês Sebastiano Caboto entrou no estuário do Prata, fundou a fortaleza de Sancti Spiritus e, embora não achasse prata, teve novas informações sobre um vasto império a noroeste da região. Foi o ponto de partida para o interesse do imperador espanhol Carlos V, que confiou a colonização do território a Pedro de Mendoza. Este, em 3 de fevereiro de 1536, fundou o forte de Nuestra Señora Santa María del Buen Aire, núcleo inicial da cidade de Buenos Aires, logo abandonado (1541) aos índios que o atacavam. No ano seguinte seria fundada a cidade de Assunção (mais tarde capital do Paraguai), a partir da qual as terras argentinas passaram a ser colonizadas.

Com a conquista do império inca, as atividades econômicas da bacia do rio da Prata passaram à função de abastecer os trabalhadores da mineração no vice-reinado do Peru. Juan de Garay fundou Buenos Aires pela segunda vez em 1580, enquanto surgiam outros centros urbanos na rota para Assunção: Santiago del Estero (1553), Mendoza e San Juan (1562), Tucumán (1565), Córdoba e Santa Fe (1573), Salta (1582), Corrientes e Paraná (1588) e La Rioja (1591). A divisão e administração da terra sob o regime das encomiendas não deu bons resultados por falta de mão-de-obra habituada ao trabalho agrícola. A principal atividade econômica passou a ser a vaquejada, ou caça de gado selvagem, praticada pelos gaúchos (mestiços de espanhol e índio, nesses tempos de rara imigração). Os missionários jesuítas, a partir de 1585 e particularmente na província de Misiones, lançaram as bases da educação nacional.

Com a legislação do Comércio Livre da Espanha e Índias (1778), a cidade passou a ter enorme movimento como porto, em negócios -- principalmente de couro -- com o Brasil, a Grã-Bretanha e a França. As vantagens assim auferidas pelo entreposto portenho alimentaram a rivalidade de outros pontos e províncias da futura nação.

Independência e unidade

Estimulados pela recente aliança franco-espanhola, os ingleses em 1806 tomaram Buenos Aires. A cidade foi reconquistada pelas tropas de Santiago Liniers, mas diante da evidente insuficiência das forças espanholas para defendê-la, seus moradores organizaram-se em milícias. Sob influência da revolução francesa, uma burguesia urbana esclarecida derrubou o vice-rei Rafael de Sobremonte, colocando Liniers em seu lugar. Era o tempo das guerras napoleônicas; Espanha e Portugal foram ocupados. Em Buenos Aires, a hora era propícia à "revolución de mayo": em 25 de maio, uma assembléia de notáveis (a que pertenciam Manuel Belgrano e Mariano Moreno) depôs o vice-rei, que na época era Baltasar Hidalgo de Cisneros, e elegeu presidente o tenente-coronel Cornelio Saavedra.

Uma Assembléia Constituinte (1813) reconheceu a liberdade dos nascidos escravos, extinguiu os tributos pagos pelos índios, acabou com os títulos de nobreza, liberou a exportação de cereais, instituiu o escudo e o hino nacional e escolheu como bandeira a que Manuel Belgrano criara um ano atrás. Em 1814, Fernando VII restaurou a monarquia. Após algumas dissensões e obstáculos, o congresso reunido em Tucumán a 9 de julho de 1816 proclamou a independência das Províncias Unidas do Rio da Prata.

O governo deu apoio à campanha do general José de San Martín, que atravessou os Andes, derrotou os espanhóis em Chacabuco, e depois, com Bernardo OHiggins, libertou o Chile nos combates de Maipú. San Martín, indiferente ao poder, ainda seguiu para o Peru e tomou parte (1824) na batalha de Ayacucho, que liquidou o domínio espanhol na América do Sul. Enquanto isso, a Banda Oriental era tomada pelos portugueses e os federalistas se sublevavam. A Assembléia Constituinte, já em Buenos Aires, reforçou o executivo e promulgou a Lei Fundamental de 1816, unitária e por isso rejeitada pela maior parte das províncias. Elegeu-se, então, o primeiro presidente da república, general Bernardino Rivadavia.

Seu governo foi tumultuado, mas militarmente bem-sucedido: derrotou os índios no sul, venceu a confederação Peru-Bolívia e enfrentou a França e a Grã-Bretanha, que respaldavam os uruguaios em constantes conflitos com a Argentina. Todavia, o governador de Entre Ríos, Justo José de Urquiza, auxiliado por tropas uruguaias e brasileiras, derrubou o ditador (1852) ao destroçar suas forças na batalha de Caseros.

Mas a desunião continuava. Contra esta, a Confederação Argentina foi fundada em San Nicolás e, em Santa Fe, preparou-se nova carta centralizadora, ainda que à revelia de Buenos Aires, que acabou por ceder à pressão exercida pelas províncias, militarmente persuasivas. Urquiza fomentou a agricultura e a educação, mas só a partir de 1862, com a eleição de Bartolomé Mitre para a presidência, iniciou-se uma etapa de mais união e prosperidade.

Século XX

Em torno de Roca e da prosperidade econômica, a organização social mostrava-se essencialmente conservadora e oligárquica, com base nos proprietários de terra e nos comerciantes: as exportações aumentavam, a imigração aproximava-se de seus melhores dias, intensificava-se a expansão do transporte ferroviário e a indústria leve já dava os primeiros passos, mas o poder e a riqueza estavam rigidamente concentrados. A crise da última década do século XIX, perturbadora, despertara revoltas. Criaram-se a Unión Cívica Radical, os primeiros núcleos de organização operária e ouviram-se as vozes do socialismo e do anarco-sindicalismo.

Havia denúncias de fraude em várias eleições. Reclamava-se a democratização do processo e, por iniciativa do presidente Roque Sáenz Peña, a reforma eleitoral instituiu, de 1914 em diante, o voto secreto e obrigatório para todos os homens. A mudança possibilitou a vitória (1916) do grupo radical. O primeiro presidente eleito de forma legitimamente democrática foi Hipólito Irigoyen, a um tempo paternalista e repressivo para com os operários, como na greve geral de Buenos Aires (1919), em que se valeu até do exército. Em seu segundo mandato, no qual sucedeu a Marcelo T. de Alvear, alcançou muita popularidade, que perdeu com a crise de 1929, de funda repercussão no país.

Nova maré conservadora inundou a Argentina, no meio de complicados problemas econômicos, sobretudo na relação com os ingleses, que no intercâmbio comercial se voltavam então quase exclusivamente para a própria Comunidade Britânica. Veio o golpe militar de 1930, de influência fascista, em virtude do qual ocuparam o poder os generais José Felix Uriburu e, em seguida, Agustín Pedro Justo, este por meio de eleições, ainda que fraudulentas. A Argentina, que declarou-se neutra na segunda guerra mundial, como fizera na primeira, foi dominada por variadas tendências de autoritarismo; civil, nos casos de Roberto Ortiz e Ramón Castillo; militar, em sucessivas experiências do período. Por pressões americanas, em 1944 teve de declarar guerra à Alemanha e ao Japão.

Por volta de 1943, começara a destacar-se a personalidade do coronel Juan Domingo Perón, que foi subsecretário da Guerra e ministro do Trabalho. Cativando especialmente os trabalhadores e descamisados, as camadas subalternas da igreja e das forças armadas, bem como uma parte do empresariado, Perón elegeu-se presidente da república em 1946, com 55% dos votos. Ajudara-o na campanha Eva Duarte (Evita), que se tornou sua mulher e tenaz colaboradora.

No início da década de 1950, a queda dos preços dos produtos agropecuários no mercado internacional, a inflação e o conflito com os opositores e a igreja (entre outras coisas, por abolir a obrigatoriedade do ensino religioso) fizeram com que Perón, apesar de reeleito (1951), começasse a perder terreno. Em 1952 morreu Evita, o peronismo se fez mais autoritário e foi vencido por um golpe militar. Em novembro de 1955, o general Pedro Eugenio Aramburu restabeleceu a constitucionalidade e três anos mais tarde a população elegeu, com o apoio dos peronistas, o radical Arturo Frondizi, que logo abandonou as promessas de campanha em favor das instruções do Fundo Monetário Internacional (FMI): desvalorização da moeda, restrições ao crédito, privatização de estatais, abertura ao capital estrangeiro e contenção salarial.

Os anos seguintes são de agravamento da crise econômica. Há outro golpe militar (1962), seguido de eleições em 1963, convocadas pelo general Juan Carlos Onganía -- que excluiu os candidatos peronistas. Foi eleito Arturo Illia, derrubado logo depois, em 1966, pelo mesmo Onganía. Este encontrou forte contestação social, inclusive o cordobazo, movimento estudantil e operário contra o governo, ocorrido em Córdoba. Com o assassínio de Aramburu pelos Montoneros, extrema-esquerda da juventude peronista, mais dois militares revezaram-se no poder, o segundo dos quais, Alejandro Agustín Lanusse, decidido a organizar eleições gerais e democráticas. Em 1972, saindo do exílio na Espanha para visitar o país, Perón foi aclamado nas ruas e fundou a Frente Justicialista de Liberación (Frejuli).

Alfonsín, no entanto, não conseguiu conter a inflação, que chegou a mil por cento ao ano em 1985. O governo lançou então um plano econômico de emergência, denominado Austral (nome da moeda que substituiu o peso). Com a inflação novamente descontrolada, nas eleições de 1989 a União Cívica Radical foi derrotada pelos peronistas. O novo presidente, Carlos Saúl Menem, tomou posse em julho daquele ano e desde logo promoveu cortes nos gastos públicos e iniciou um programa de privatização de empresas estatais. Essa política de estabilização teve a oposição dos sindicatos e foi prejudicada pelo contínuo aumento da inflação. Entretanto, em 1991 as medidas tomadas pelo ministro da Economia, Domingo Cavallo, começaram a dar resultados positivos e a lº de janeiro de 1992 o austral foi substituído pelo novo peso. A estabilização econômica propiciou a reeleição de Menem em 1995.

Instituições políticas

A Argentina é uma república federativa bicameral (Senado e Câmara dos Deputados). Os partidos políticos acham-se devidamente registrados. A constituição de 1853, que persistiu apesar de inúmeras reformas, equilibrou o federalismo com um poder executivo de alta centralização.

De 1949 a 1955 prevaleceu a constituição dita peronista, que alterava a anterior com extensa legislação social e trabalhista e suprimia a cláusula que vedava a reeleição imediata do presidente da república. Tanto este como o vice-presidente são eleitos por sufrágio universal e por um período de seis anos. O poder judicial tem como representante máximo o Tribunal Supremo, com magistrados escolhidos pelo presidente da república e ratificados pelo Senado.

Administrativamente, assim se divide o território argentino: 22 províncias; um Distrito Federal, situado na cidade de Buenos Aires; e um Território Nacional, composto pela Terra do Fogo, um segmento da Antártica e ilhas do Atlântico Sul. Os governadores de província são eleitos. Cada província tem sua constituição, seu Parlamento e seu sistema judicial, que reportam aos poderes centrais.

Sociedade da Argentina

A organização social argentina distingue-se por uma característica muito particular no panorama latino-americano: compõe-se predominantemente de uma classe média europeizada, com mais de noventa por cento de católicos, padrão de vida e qualificação profissional em progresso e um eficiente sistema previdenciário e de saúde.

O espanhol é o idioma oficial do país, mas sobrevivem algumas línguas e dialetos indígenas. Como ocorreu em tantos outros países hispano-americanos, o espanhol adquiriu, na Argentina, aspectos bastante particulares. Provavelmente por influência do italiano, aparenta maior flexibilidade e fluidez do que nas outras terras de colonização espanhola. A língua indígena mais importante é o guarani, falado na região da Mesopotâmia. Destacam-se ainda o diaguita e dialetos araucanos. Em Buenos Aires, o vocabulário popular incorporou palavras de origem italiana, termos de gíria ligados às corridas de cavalos e ao tango e um sotaque rural, dando origem ao lunfardo, que desfruta de grande autonomia em relação ao espanhol.

Na passagem da década de 1980 para a de 1990, a população argentina, apesar das sucessivas crises econômicas e político-administrativas, manteve uma taxa de mortalidade infantil significativamente baixa para os padrões ainda encontrados na América do Sul, sendo também superiores aos desses outros países seus índices de expectativa de vida e de consumo de calorias e proteínas per capita. Buenos Aires continua sendo a capital e o eixo econômico do país, mas em 1987 o Congresso Nacional aprovou uma proposta do executivo para mudança da capital para Viedma-Carmen de Patagones.